quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

A FALSA NEUTRALIDADE DOS PLANEJADORES

Atualmente, termos como Plano Diretor, Lei de Zoneamento, Lei Orgânica Municipal, Zona Especial de Interesse Social, área de Proteção Ambiental, tornaram-se motivos de debate na mídia, tanto impressa como digital. A sociedade brasileira abre um novo período de participação, ainda tímida, nos planos e ações determinadas nas agendas políticas. Mas ainda há muito que fazer, pois a maioria dos termos utilizados pelos planejadores urbanos são desconhecidos pela maioria da população.

Saímos de um ano eleitoral. Você ter visto nas campanhas eleitorais dos candidatos planos e propostas em escala regional sob os mais diversos temas; mobilidade urbana, saúde, educação, energia, etc. Mas é nos bastidores da política que as verdadeiras intenções são definidas entre os candidatos e seus partidos com os financiadores das campanhas eleitorais. Os planejadores, longe de serem facilitadores das agendas políticas, atuam muitas vezes na defesa dos interesses da máquina política e de seus parceiros, da classe na qual estão inseridos, bem como seus próprios interesses particulares. E os planos, assumem uma posição incontestável diante da população, como se fossem os instrumentos da verdade divina, quando na verdade, os planos estão carregados das ideologias de seus agentes. Vale a pena ressaltar sinteticamente o que é ideologia: ideologia é uma forma de ocultação da dominação de uma classe sob a outra. O que determina as ideologias são classes na qual os planejadores pertencem, como os próprios planejadores a determinam.

Vamos tentar esclarecer melhor trazendo um pouco da própria história do Banhado. Em 1939, quando os imóveis do lado direito da Rua São José foram demolidos durante a gestão do prefeito José Longo, a justificativa da intervenção estava baseada nas condições “anti-higiênicas” dos imóveis, visando descortinar a paisagem para a criação do passeio público, visando à insolação e a ventilação. Foi nessa época que criou-se o cartão postal de São José dos Campos. Mas, deve-se lembrar que a ideologia norteadora da época era a ideologia sanitarista e higienista.

A ideologia sanitarista e higienista de herança europeia do século XIX defendia uma brusca intervenção na área urbana, abrindo as vias públicas, mesmo a custa da desapropriação de vários imóveis, para solucionar os problemas de saúde pública. Isto não está tão longe da verdade, pois as condições de vida da classe trabalhadora nas cidades europeias do século XIX eram terríveis, com grande incidência de óbitos por moléstias. Porém, foi a partir deste período que ocorrem as primeiras medidas de segregação urbana, expulsando as populações pobres dos centros da cidade para a periferia. Com efeito, os trabalhadores são afastados de seus locais de trabalho, sendo obrigados a percorrerem grandes distancias até a indústria. As terras do centro são ocupadas pela classe média e alta que elevam os custos da propriedade a altos níveis. A intervenção sanitarista favorece também a segurança das classes abastadas e do Estado contra possíveis manifestações da classe trabalhadora, pois com o alargamento das vias as barricadas eram mais difíceis de serem levantadas.

Muitos ideólogos sanitaristas julgavam necessária uma intervenção direta nos lares dos mais pobres. Isto nos parece o caso da intervenção de 39 em São José dos Campos. As casas demolidas em 39 eram casas de pau-a-pique construídas por vendedores ambulantes, que ocuparam a faixa do lado direito da rua devido à crise do café dos anos 30 que levou muitos lavradores a falência. Portanto, a pobreza tem sido associada pelos ideólogos como doença, e como tal, deve ser erradicada.

Esta é a gênese do processo de marginalização dos moradores do banhado, por que, com a criação do cartão postal do município, a população do banhado, que havia se instalado na área no começo da década de 30, passou a ser ocultada pela “visão panorâmica” do banhado como paisagem e símbolo de contemplação.

A partir daí, seguiram-se diversos planos para remover as famílias do banhado, bem como havia planos para o banhado; Na década de 1970 o prefeito Sergio Sobral de Oliveira pretendia remover as famílias do banhado para transformar a área do banhado num imenso parque temático financiado pela Disneyword. Na década de 1980 o prefeito Joaquim Bevilacqua tinha o objetivo de transformar o banhado num imenso lago. Já na década de 1990 o prefeito Pedro Yves pretendia criar um parque ecológico na área. Por fim, nos anos 2000 a administração Eduardo Cury lançou o projeto do Parque Natural Municipal do Banhado – PNMB.

O planejamento da década de 70 pretendia transformar a paisagem por meio da técnica. Já o planejamento de 80, 90 e 2000, aproxima-se dos movimentos ambientalistas e procura reincorporar a paisagem. Esquecem que o banhado não é uma simples paisagem; é uma paisagem habitada. Desde a ocupação na década de 30, as pessoas que ali vivem nunca receberam o devido cuidado pelo poder público com medidas de urbanização, água e esgoto, luz, etc. Óbvio, o poder público utiliza-se desta estratégia para não estimular novas ocupações. Mas a ideologia tende a ocultar os reais interesses evolvidos. Hoje a prefeitura assume a aura de um anjo bom, afirmando estar proporcionando melhores condições de vida aos moradores do banhado com a remoção para áreas distantes da cidade. Ora, talvez, melhores condições de vida para os moradores possam ser buscadas no próprio local onde habitam, e não em bairros distantes. As condições de vida dos moradores do banhado são resultado do próprio descaso da prefeitura de São José dos Campos.

O projeto atual de transformação do banhado em um anel viário facilita a ocupação do banhado e seu entorno pelo mercado imobiliário, pois historicamente, as rodovias, estradas e vias expressas funcionam como catalizadores da expansão urbana. O banhado como cartão postal valoriza as terras ao seu entorno. Logicamente, apenas os segmentos endinheirados poderão pagar por estas terras. A prefeitura afirma no plano diretor de 2006 estar realizando obras para o desenvolvimento sustentável do município. Ora, na sua essência, o desenvolvimento sustentável consiste na diminuição da exploração dos recursos naturais e o incentivo a ciência e tecnologia no desenvolvimento de recursos renováveis. Mas, já se sabe que o discurso desenvolvimento sustentável vem sendo utilizado como dispositivo ideológico de controle social. Este é o caso, de São José dos Campos. Construir um anel viário numa área de proteção ambiental não nos parece nada sustentável.

O banhado precisa ser preservado, assim como a comunidade que ali vive precisa permanecer no local, para, enfim, barrar os interesses do capital, aparentemente, ocultados pelo discurso ideológico. Por que o higienismo e o sanitarismo ainda existem nos planos atuais da prefeitura. Mas não são tão aparentes quanto antes, escondem-se nas entrelinhas dos projetos formulados por planejadores que associam pobreza igual à doença.

Abaixo Imagem 1. - Via Banhado.
Fonte: CETESB. EIA-RIMA Via Banhado, São Paulo, 2014.


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