sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

A PAISAGEM QUE UNE E SEPARA

Sem dúvida, “o Banhado é um patrimônio natural e paisagístico de todo o povo joseense”. Que o Banhado é um patrimônio nós já sabemos, mas a questão não é essa. Ocorre que no senso comum da maioria da população joseense existe a ideia do Banhado como cartão postal, uma paisagem puramente contemplativa, 10x15, estática e imóvel. No meio desse frenesi o Banhado adquiriu uma pluralidade de significados, diga-se de passagem, dignos de analise.

Até hoje não é muito difícil encontrar um popular inocentemente perguntando: “É verdade que o Banhado já foi um mar?” Ou, observar a mídia, independente do veículo, seja impressa, rádio, televisão e internet, abordando o tema como se fosse verdadeiro. Na verdade, o Banhado foi uma planície pantanosa, área de várzea do Rio Paraíba. O Banhado nunca foi um mar, isto faz parte do imaginário social. Ao associa-lo como um mar a maioria dos joseenses transformam o Banhado numa planície panorâmica, pura e virgem, porém, inexistente de pessoas.

Existe outra associação marítima: “a orla do Banhado”. Ora, a encosta do Banhado não é uma orla, este foi um termo adotado para associar o Banhado como um mar. A encosta do Banhado adquiriu sua silhueta semicircular há 18 mil anos atrás quando os materiais do Rio Paraíba começaram a se acumular no setor norte da concha do Banhado de São José dos Campos.

A encosta do Banhado também adquiriu a denominação de “Anfiteatro Natural”. Nos eventos oficiais do município, independente do partido no governo, a orla tem sido utilizada como palco em desfiles cívico-militar, festas de fim de ano, comemorações e exibições da esquadrilha da fumaça.

Há também a metáfora do pôr-do-sol. O pôr-do-sol está presente nos cartões postais do município, muitas vezes apresentando imagem de um casal apaixonado embalado pela luminosidade vermelha tocando a imensidão do suposto “mar verde”. Nos cartões postais desenvolvidos pela prefeitura a comunidade do Jardim Nova Esperança é estrategicamente excluída das imagens. A paisagem é escolhida para “unir” os vários elementos naturais num único contexto: a orla (encosta), o mar (vegetação), as vaquinhas pastando, o pôr-do-sol, a Serra da Mantiqueira (que está a quilômetros de distancia do Banhado), mas separando os moradores que habitam aquela área.

Hoje conhecemos a comunidade que reside no Banhado como Jd. Nova Esperança, mas por muito tempo o local era conhecido como Bairro do Banhado. Os registros ocupacionais na área datam de 1931, portanto existem pelo menos três gerações habitando a área. As profissões dos moradores são múltiplas, existem: agricultores, recicladores, pedreiros, serventes, diaristas, operários, comerciantes, músicos, funcionários da Urbam, entre outros. A terra do Banhado tem um caráter econômico, pois é da terra que os moradores tem seu abrigo e muitos o seu sustento. Mas a terra tem também um caráter simbólico, pois o Banhado é a terra dos moradores atuais como foi à terra dos seus pais e dos seus avós. ESSA TERRA É DE VOCÊS!

Associar o Banhado simplesmente como uma paisagem exclui as pessoas que vivem nele. Exclui o território dessas pessoas. Somente a natureza como cartão postal é valorizada, inexistente de pessoas. A comunidade do Jardim Nova Esperança só aparece no senso comum para justificar a remoção dos moradores, como se os moradores do Banhado, que habitam a área há tanto tempo, estivessem tornando “feio” o cartão postal. E não é raro, ouvir comentários pequeno-burgueses como: “tragam de volta o nosso Banhado”.

A mídia tem explorado a questão ao máximo apenas para denegrir a imagem dos moradores, veiculando reportagens sensacionalistas que destacam apenas quantas blitz policiais houve no bairro, ou quantas prisões, ou qual era a quantidade de droga apreendida, etc. Além de cansativamente carregar as páginas do jornal de imagens que apresentem as supostas péssimas condições dos moradores.

O que são estas péssimas condições de vida? Os moradores moram no centro na cidade. Tem acesso escolas, bancos, creches, ao comércio, lotéricas, a prefeitura, a câmara, tudo no centro da cidade. Não necessitam de tantas viagens de ônibus como os moradores dos bairros que não possuem carro. Muitos possuem um pedaço de terra para plantar, outros criam animais domésticos para consumo próprio, como: porcos, galinhas, gansos e patos. Em tempos de escassez de água, existem minas d’água vertendo águas todos os dias. Então, que péssimas condições são essas?

As tais péssimas condições sociais estão relacionadas à urbanização. Resultado do descaso de todas as prefeituras que nunca deram a devida atenção para a manutenção dos aparelhos públicos, no saneamento básico, no calçamento das vias, na eletricidade, etc. A prefeitura também utiliza dos mesmos argumentos para justificar suas ações. Como se a mesma estivesse “salvando” os moradores das péssimas condições de vida.

Cabe aos moradores de São José dos Campos, seja no Banhado, seja do Jd. Esplanada do Sol, da Vila Dirce, da Vila Industrial ou no Putim, perguntar a si mesmo: O QUE É O BANHADO? O BANHADO É UM CARTÃO POSTAL OU É ALGO A MAIS? É preciso redefinir não só a paisagem como a nós mesmos.

Abaixo, Fig. 1 - Jd. Nova Esperança, de cima. Fig. 2 - Cartão Postal, de baixo.


quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

A FALSA NEUTRALIDADE DOS PLANEJADORES

Atualmente, termos como Plano Diretor, Lei de Zoneamento, Lei Orgânica Municipal, Zona Especial de Interesse Social, área de Proteção Ambiental, tornaram-se motivos de debate na mídia, tanto impressa como digital. A sociedade brasileira abre um novo período de participação, ainda tímida, nos planos e ações determinadas nas agendas políticas. Mas ainda há muito que fazer, pois a maioria dos termos utilizados pelos planejadores urbanos são desconhecidos pela maioria da população.

Saímos de um ano eleitoral. Você ter visto nas campanhas eleitorais dos candidatos planos e propostas em escala regional sob os mais diversos temas; mobilidade urbana, saúde, educação, energia, etc. Mas é nos bastidores da política que as verdadeiras intenções são definidas entre os candidatos e seus partidos com os financiadores das campanhas eleitorais. Os planejadores, longe de serem facilitadores das agendas políticas, atuam muitas vezes na defesa dos interesses da máquina política e de seus parceiros, da classe na qual estão inseridos, bem como seus próprios interesses particulares. E os planos, assumem uma posição incontestável diante da população, como se fossem os instrumentos da verdade divina, quando na verdade, os planos estão carregados das ideologias de seus agentes. Vale a pena ressaltar sinteticamente o que é ideologia: ideologia é uma forma de ocultação da dominação de uma classe sob a outra. O que determina as ideologias são classes na qual os planejadores pertencem, como os próprios planejadores a determinam.

Vamos tentar esclarecer melhor trazendo um pouco da própria história do Banhado. Em 1939, quando os imóveis do lado direito da Rua São José foram demolidos durante a gestão do prefeito José Longo, a justificativa da intervenção estava baseada nas condições “anti-higiênicas” dos imóveis, visando descortinar a paisagem para a criação do passeio público, visando à insolação e a ventilação. Foi nessa época que criou-se o cartão postal de São José dos Campos. Mas, deve-se lembrar que a ideologia norteadora da época era a ideologia sanitarista e higienista.

A ideologia sanitarista e higienista de herança europeia do século XIX defendia uma brusca intervenção na área urbana, abrindo as vias públicas, mesmo a custa da desapropriação de vários imóveis, para solucionar os problemas de saúde pública. Isto não está tão longe da verdade, pois as condições de vida da classe trabalhadora nas cidades europeias do século XIX eram terríveis, com grande incidência de óbitos por moléstias. Porém, foi a partir deste período que ocorrem as primeiras medidas de segregação urbana, expulsando as populações pobres dos centros da cidade para a periferia. Com efeito, os trabalhadores são afastados de seus locais de trabalho, sendo obrigados a percorrerem grandes distancias até a indústria. As terras do centro são ocupadas pela classe média e alta que elevam os custos da propriedade a altos níveis. A intervenção sanitarista favorece também a segurança das classes abastadas e do Estado contra possíveis manifestações da classe trabalhadora, pois com o alargamento das vias as barricadas eram mais difíceis de serem levantadas.

Muitos ideólogos sanitaristas julgavam necessária uma intervenção direta nos lares dos mais pobres. Isto nos parece o caso da intervenção de 39 em São José dos Campos. As casas demolidas em 39 eram casas de pau-a-pique construídas por vendedores ambulantes, que ocuparam a faixa do lado direito da rua devido à crise do café dos anos 30 que levou muitos lavradores a falência. Portanto, a pobreza tem sido associada pelos ideólogos como doença, e como tal, deve ser erradicada.

Esta é a gênese do processo de marginalização dos moradores do banhado, por que, com a criação do cartão postal do município, a população do banhado, que havia se instalado na área no começo da década de 30, passou a ser ocultada pela “visão panorâmica” do banhado como paisagem e símbolo de contemplação.

A partir daí, seguiram-se diversos planos para remover as famílias do banhado, bem como havia planos para o banhado; Na década de 1970 o prefeito Sergio Sobral de Oliveira pretendia remover as famílias do banhado para transformar a área do banhado num imenso parque temático financiado pela Disneyword. Na década de 1980 o prefeito Joaquim Bevilacqua tinha o objetivo de transformar o banhado num imenso lago. Já na década de 1990 o prefeito Pedro Yves pretendia criar um parque ecológico na área. Por fim, nos anos 2000 a administração Eduardo Cury lançou o projeto do Parque Natural Municipal do Banhado – PNMB.

O planejamento da década de 70 pretendia transformar a paisagem por meio da técnica. Já o planejamento de 80, 90 e 2000, aproxima-se dos movimentos ambientalistas e procura reincorporar a paisagem. Esquecem que o banhado não é uma simples paisagem; é uma paisagem habitada. Desde a ocupação na década de 30, as pessoas que ali vivem nunca receberam o devido cuidado pelo poder público com medidas de urbanização, água e esgoto, luz, etc. Óbvio, o poder público utiliza-se desta estratégia para não estimular novas ocupações. Mas a ideologia tende a ocultar os reais interesses evolvidos. Hoje a prefeitura assume a aura de um anjo bom, afirmando estar proporcionando melhores condições de vida aos moradores do banhado com a remoção para áreas distantes da cidade. Ora, talvez, melhores condições de vida para os moradores possam ser buscadas no próprio local onde habitam, e não em bairros distantes. As condições de vida dos moradores do banhado são resultado do próprio descaso da prefeitura de São José dos Campos.

O projeto atual de transformação do banhado em um anel viário facilita a ocupação do banhado e seu entorno pelo mercado imobiliário, pois historicamente, as rodovias, estradas e vias expressas funcionam como catalizadores da expansão urbana. O banhado como cartão postal valoriza as terras ao seu entorno. Logicamente, apenas os segmentos endinheirados poderão pagar por estas terras. A prefeitura afirma no plano diretor de 2006 estar realizando obras para o desenvolvimento sustentável do município. Ora, na sua essência, o desenvolvimento sustentável consiste na diminuição da exploração dos recursos naturais e o incentivo a ciência e tecnologia no desenvolvimento de recursos renováveis. Mas, já se sabe que o discurso desenvolvimento sustentável vem sendo utilizado como dispositivo ideológico de controle social. Este é o caso, de São José dos Campos. Construir um anel viário numa área de proteção ambiental não nos parece nada sustentável.

O banhado precisa ser preservado, assim como a comunidade que ali vive precisa permanecer no local, para, enfim, barrar os interesses do capital, aparentemente, ocultados pelo discurso ideológico. Por que o higienismo e o sanitarismo ainda existem nos planos atuais da prefeitura. Mas não são tão aparentes quanto antes, escondem-se nas entrelinhas dos projetos formulados por planejadores que associam pobreza igual à doença.

Abaixo Imagem 1. - Via Banhado.
Fonte: CETESB. EIA-RIMA Via Banhado, São Paulo, 2014.


O BANHADO NA HISTÓRIA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

O Banhado; extensa planície aluvial contigua ao centro urbano. Local de mitos e lendas, local de circulação dos “bons ares desta terra”, local onde a natureza descortina um quadro paisagístico maravilhoso. Tudo isso os joseenses já sabem, ouvem da mídia todos os dias palavras de enaltecimento das características naturais do Banhado. Mas o Banhado não é apenas isso; o Banhado é uma paisagem-habitada, habitada por gerações de cuidaram e preservaram aquela terra e fizeram-na seu lar. Local também de cobiça da classe dominante e das grandes corporações.


Tudo isso faz parte da história recente do Banhado. Na verdade o Banhado é muito mais antigo. O passado geológico da área do Banhado está condicionado à história geológica da formação da região do Vale do Paraíba. O Cone Leste Paulista, este vale no qual vivemos, cercado por duas serras: a Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira formou-se na Era Cenozoica, a era do surgimento dos primeiros mamíferos a cerca de 65 milhões de anos atrás. O Vale do Paraíba se divide em três grupos: o grupo de Taubaté, o grupo de Caçapava e o grupo de Tremembé. São José dos Campos está sob o platô pertencente ao grupo de Caçapava.

Durante o período Terciário e o Quaternário da Era Cenozoica, os sedimentos do tabuleiro correspondente a área de recorte circular do entorno do Banhado sofreram um maior desgaste. O prolongamento do terraço aluvial em forma de pinça foi responsável pelo estrangulamento da calha aluvial do Rio Paraíba do Sul, determinando o aumento dos estreitamentos. Nos últimos 10 mil anos surgiu uma escarpa de meandro que se estendeu na forma de um cinturão que se afastou para o setor centro-norte da planície, propiciando a geração de solos de turfa e areias basais. Está é a história geológica do Banhado que se estende do Era Cenozoica há 65 milhões até os últimos 10.000 a.c.
A história arqueológica do Vale do Paraíba ainda é muito pobre, restrita a atividade de pouquíssimos arqueólogos. Durante o século XX, foram encontrados registros arqueológicos isolados em algumas regiões da cidade. Entre 2006 e 2009, durante as obras de loteamento do condomínio Alphaville na zona oeste, foi encontrado um assentamento associado a grupos de caçadores-coletores de aproximadamente 9 mil anos. Porém, no Relatório Final da Origem Arqueologia, empresa subcontratada pela PLANSERVI/COBRAPE, consórcio responsável pela construção da Via Banhado, a área do Banhado não apresentou indícios ou vestígios que possam indicar a existência de sítios arqueológicos.

O relatório final da Origem Arqueologia é no mínimo duvidoso. É preciso um diagnostico sério de uma equipe arqueológica que não esteja associada à prefeitura municipal de São José dos Campos. Ao viajarmos na História veremos que a cidade de São José dos Campos formou-se no platô sob o nome de Aldeia de São José. O primeiro aldeamento localizava-se na região do Rio Comprido. Área pertencente hoje aos territórios de São José dos Campos e Jacareí na forma de uma fazenda de gado. Os padres jesuítas exerciam o trabalho de evangelização e conquista dos índios para a Coroa portuguesa e Sua Santidade o Papa sob a direção do Padre Manuel de Leão. Quando a ameaça de ataques dos bandeirantes e as enchentes periódicas do Rio Paraíba ameaçaram a existência do aldeamento, os jesuítas transferiram a antiga aldeia para um novo local, provavelmente na segunda metade do século XVII. O platô onde se formou a Aldeia Nova era próximo, porém distante do Rio Paraíba do Sul, garantindo a segurança e a alimentação dos habitantes da Aldeia de São José.

Orientados pelos jesuítas, os indígenas construíram casas de taipa de pilão em forma de quadra e por muitos anos São José dos Campos estava circunscrita a esta pequena formação. É possível observar que o platô possui uma função estratégica na defesa da cidade, pois o Banhado propicia uma visão completa de possíveis avanços de inimigos pela Serra da Mantiqueira. Mas a cidade estava de costas para o Banhado e por muito tempo permaneceu assim. Nomeada como “Pântano Inútil” no croqui da Aldeia de São José de 1767, a área do Banhado foi ignorada por muitos anos por seus habitantes. Óbvio, o Banhado era uma das tantas áreas indisponíveis para a plantação, pois os habitantes não possuíam as técnicas necessárias para trabalhar naquela terra.

Durante todo o período colonial, no império e na república, São José dos Campos foi uma cidade muito pobre. A maioria de seus habitantes vivia da agricultura de subsistência, da caça e da pesca. Desde o século XIX a área do outrora “Pântano Inútil” já era conhecida como Banhado. Augusto Emílio-Zaluar, viajante europeu em peregrinação pela Província de São Paulo, assim relatou em sua passagem por São José dos Campos sobre o Banhado: “Uma das cousas mais dignas e observar-se nesta localidade são os imensos brejos, a que dão aqui o nome de banhados, e que se estendem em grande distancia aos pés da montanha em que está assentada a vila”.

Zaluar admirou-se com a beleza cênica do Banhado. Não é de se espantar que Zaluar nomeie o Banhado por brejo por que no passado o Banhado era uma extensa planície alagada. Lembremos que qualquer área de várzea é o segundo leito de um rio. Conforme as grandes chuvas elevavam o nível do rio às águas transbordavam pela várzea. O Banhado é uma área de várzea e as cheias do rio inundavam toda a planície.

O armazenamento das águas das chuvas e o acúmulo de material orgânico das cheias tornavam as terras do Banhado extremamente ricas para a plantação. Logo, no início do século passado, com a construção do ramal da estrada de ferro no extremo norte da concha do Banhado, as características aluviais do Banhado foram aproveitadas para o cultivo da cultura do arroz. Em 1930, uma grande população advinda das regiões rurais de Minas Gerais e do Vale do Paraíba, muitos arruinados com a crise do café, que procuravam melhores oportunidades de trabalho nas principais indústrias da cidade, instalaram-se nas ruas centrais do município. Construíram casas de pau-a-pique na Rua Siqueira Campos, Rua São José e no Banhado. É preciso relembrar que a população da cidade era extremamente pobre, e os novos moradores, além de perder suas terras com a crise do café, não encontraram postos de trabalho disponíveis. A solução encontrada foi à ocupação de terras públicas e o trabalho informal. Assim multiplicaram-se os agueiros, doceiros, padeiros, leiteiros e bicheiros.

No Banhado os primeiros moradores diversificaram a produção agrícola, até então focada na cultura do arroz, para a produção de outros gêneros, como: batata, mandioca, banana, tomate, alface, couve, etc. Hoje a população joseense nomeia depreciativamente o bairro como: favela do Banhado, mas pouco se conhece sobre as origens rurais deste bairro que se formou a mais de 80 anos. Pouco se sabe que a favela do Banhado possui um nome: Jardim Nova Esperança.

Foi ainda na década de 30/40 que o Banhado tornou-se um cartão postal, obra do prefeito sanitário Francisco José Longo. Na época, o Brasil vivia uma ditadura dirigida pelo presidente Getúlio Vargas. Apoiado no clima de fracasso da Intentona Comunista, Getúlio Vargas instaurou um golpe em novembro de 1937 sob o pretexto de um suposto complô comunista. Com o fechamento do Legislativo o Executivo adquiriu poderes absolutos. Prefeitos e governadores não eram mais eleitos democraticamente, mas sim nomeados como interventores pelo governo federal. José Longo foi um destes prefeitos interventores. Á ele foi incumbida à função de realizar o planejamento urbano da cidade, acompanhando o movimento regional do reerguimento da região do Vale do Paraíba.

Nesta primeira metade do século XIX, a cidade já era uma cidade estancia. A fama dos ares milagrosos de São José dos Campos atraia um número considerável de doentes. Não existia cura para a tuberculose e as grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro começaram expulsar os doentes para as cidades serranas, pois se acreditava que o repouso e a boa alimentação em cidades altas e de clima ameno favoreciam no tratamento da doença.

Longo tomou posse em 38, e no ano seguinte realizava todas as obras previstas para a melhoria dos serviços de distribuição de águas e esgoto, calçamento e alargamento das vias públicas, mesmo a custa de demolições. Em novembro de 1939 Longo desapropriou todas as casas de pau-a-pique da Rua São José, consideradas anti-higiênicas. Consta no plano a pretensão de descortinar a paisagem para melhorar a ventilação e a insolação da cidade, bem como criar o passeio público. No entanto, a obra de Longo foi determinante para o que conceituamos como a separação entre o Banhado-Paisagem e o Banhado-Território.

O que significa isso? Significa que até hoje para a maioria dos habitantes de São José dos Campos o Banhado é apenas uma paisagem. Criou-se uma mística entre a classe média e alta sobre o Banhado. Esta classe define o Banhado como uma espécie de “praia dos joseenses”. Ignora-se o fato que existem pessoas morando no Banhado. Os cidadãos de São José dos Campos não percebem que o Banhado é uma paisagem-habitada. Somadas a ideologia burguesa que universaliza a ideia que pobres e negros são “sujeitos perigosos”, os moradores do Banhado, quando não são ignorados pela população joseense, são taxados como bandidos. Isto acontece com todos os moradores de favela. A discriminação da população segue pelo ataque direto da Policia Militar. Esta organização antiquada não consegue formar a maioria de seus homens sem romper com a terrível associação: pobre igual bandido. Ainda é corriqueira e constante a presença terrorista da PM no Banhado.

O Banhado como território designa o território demarcado pelos moradores ao longo da história. Significa que os primeiros moradores e seus descendentes que ocuparam toda a extensão do extremo-norte da concha criaram um território. Quando criamos um território criamos gradualmente formas de apego a terra. Não é ilusão o fato de pessoas adoecerem quando são expulsas de seus lares.

Na década de 50, a construção da Via Dutra e a instalação do CTA favoreceram a vinda de diversas indústrias que se instalaram ao longo da rodovia, provocando o adensamento e urbanização de novos bairros que cresciam no entorno das fábricas. Como a terra e a renda estavam sendo concentradas nas mãos da classe dominante, não havia disponibilidade de postos de trabalho e terra para todos. O campo começara a industrializar-se e os meeiros e pequenos proprietários não possuíam condições de competir com o capital rural. Com efeito, a classe trabalhadora não teve alternativa a não ser ocupar legitimamente as terras mais desvalorizadas pelo capital. Foi neste momento que o número de moradores de favela da cidade sofre um acréscimo vertiginoso. O Banhado recebeu migrantes dos estados do Nordeste, Paraná e Minas Gerais. Com isto, a agricultura não era mais a atividade exclusiva dos moradores, pois já existiam muitos pedreiros, operários, domésticas, recicladores, entre outros. A partir daí acentuava-se cada vez mais a diferenciação entre o Banhado-paisagem e o Banhado-Território, entre o centro comercial e o centro rural. Nas palavras de Davi Moraes e Maurício Babau; o Banhado é “uma roça na cidade”.

Não é de se admirar, que a área foi alvo de inúmeros planos e propostas da prefeitura municipal. Houve o Parque Regional do Banhado da administração Sobral da década de 70, houve o Parque do Banhado de Bevilacqua dos anos 80, houve o Parque Ecológico de Pedro Yves dos anos 90, houve o Parque Natural Municipal do Banhado de Eduardo Cury nos anos 2000, e finalmente no momento presente temos a continuação dos planos e propostas da última gestão do PSDB herdadas pela gestão Carlinhos Almeida do PT.

Abaixo: Imagem 1. - Croqui delimitatório da Vila de São José, sec. XVIII.
O Banhado está inscrito sob a denominação de "pântano inútil".